O Natal nas Aldeias do Xisto é um tempo de celebração profunda, vivido entre lareiras acesas, cheiros que enchem a casa e rituais que atravessaram gerações. Aqui, a festa começa na cozinha e à volta da mesa: no forno que aquece a broa, nas couves acabadas de colher, no bacalhau guardado para a noite mais importante do ano, no peru das casas onde se podia sonhar mais alto e nos doces que adoçavam o inverno.
Cada prato conta uma história e cada receita guarda um pedaço de vida comunitária.
Entre memórias partilhadas pelos habitantes e tradições que se mantiveram vivas, a consoada ganha forma num verdadeiro “menu de aldeia”: pão que anuncia o encontro, bacalhau que reúne a família, sabores ricos de festa, filhós e arroz-doce que dão alegria à mesa… e, no dia seguinte, a roupa-velha que lembra o respeito pelo alimento e pela vida.
As receitas que aqui se seguem resultam de testemunhos recolhidos nas Aldeias do Xisto e estão preservadas no livro “Sabores da Aldeia: Carta Gastronómica das Aldeias do Xisto”, publicado pela ADXTUR – Agência para o Desenvolvimento Turístico das Aldeias do Xisto, em 2008. São apresentadas tal como foram guardadas na memória e nas mãos de quem as cozinhou.
Vamos para a mesa?
A Broa
Antes de qualquer prato, havia sempre broa. Presença fiel nas mesas das aldeias e, muitas vezes, garantia de sustento. Em dias especiais, era preparada com ainda mais cuidado, ganhando atenção redobrada e, por vezes, companhia de enchidos.
Receita obtida junto do Sr. António Antunes Lucas, Fajão, Pampilhosa da Serra
Ingredientes:
- 3 kg de farinha de milho
- 1 kg de farinha de trigo
- 1 kg de farinha de centeio
- 200g fermento
Modo de preparação:
“Peneiram-se e juntam-se as farinhas misturando-se com o fermento que foi desfeito em água tépida. Põe-se uma pitada de sal e amassa-se muito bem. A massa vai para um alguidar e fica a levedar, tapada por uma manta ou um cobertor. Mal o forno esteja quente, tendem-se as broas, colocam-se no forno e ali ficam até cozer”.
O Bacalhau com couves
Na noite mais esperada do ano, a mesa ganhava um sabor inconfundível. O bacalhau não era alimento de todos os dias, mas na Consoada tinha lugar marcado. Cozido com couves robustas, batatas da terra e ovos frescos, era preparado com respeito e silêncio quase ritual. Um prato simples, mas carregado de significado, que reúne famílias e marca o momento maior do Natal.
Receita obtida junto da Sra. Dona Alexandrina Barata, Martim Branco, Castelo Branco
Ingredientes:
- Couve tronchuda
- Azeite
- Batatas
- Bacalhau
- Ovos
Preparação:
“A couve tronchuda é cortada – traçada em talos. Numa panela ponha água temperada com sal, quando esta estiver a ferver coloque os talos de couve e as batatas. Depois junte-lhe os ovos, um bocadinho de bacalhau. Pode substituir o bacalhau por uma morcela ou chouriça de carne. Deixe cozer bem e ficam prontas a servir, sendo temperadas com azeite”.
Couve tronchuda: Couve com talos grossos
Perú
Nem todas as mesas eram iguais e, em algumas casas, a noite de Natal permitia ambição gastronómica. Onde havia mais possibilidades, o peru assumia papel de destaque. Preparado com tempo, tempero generoso e paciência, tornava-se símbolo de festa grande e ocasião rara.
Receita obtida junto da Sra. D. Maria do Carmo, Álvaro, Oleiros
Ingredientes:
- Perú
- Alho
- Azeite
- Colorau
- Louro
- Sal
- Salsa
- Aguardente
Preparação:
“Embebeda-se o peru com aguardente, um cálice de aguardente chega. Sangra-se e depena-se. Amanha-se, tira-se-lhe as tripas e lava-se muito bem lavado. Barra-se com uma pasta de alho, azeite, colorau, louro, sal e salsa. Depois de bem esfregado com essa pasta, vai a assar no espeto”
Perú: Oriundo da América do Norte, baptizado “galinha-da-Índia” pelos espanhóis o perú é a refeição tradicional no dia de Acção de Graças nos Estados Unidos da América e é prato nacional no México, sendo preparado com um molho de chocolate. O perú converteu-se em prato especial no dia de Natal em numerosas regiões, sendo muito apreciado em diversas representações culinárias.
Depois do salgado, chegava o momento mais doce da noite. Em muitas casas, a tradição passava de mãos em mãos através de massas amassadas com calma, açúcar medido com experiência e aromas que se espalhavam pela cozinha. Filhós, arroz-doce, broas de mel… cada doce tinha o seu lugar, o seu gesto e a sua memória, capazes de adoçar o inverno e encher a mesa de alegria.
Filhós
As filhós eram mais do que sobremesa: eram gesto de cuidado e tempo dedicado. A massa repousava protegida, as mãos davam-lhe forma e o azeite quente fazia o resto. Douradas e leves, chegavam à mesa como verdadeiro sinal de festa.
Receita obtida junto da Sra. D. Maria das Dores Rodrigues, Gondramaz, Miranda do Corvo.
Ingredientes:
- Farinha de trigo escura
- 1 ou 2 ovos
- Fermento
- Azeite
Preparação:
“Desfaz-se o fermento num pouco de água, junta-se a farinha, os ovos batidos e amassa-se tudo muito bem amassado, ficando depois a repousar num alguidar bem abafado. Faz-se uma cruz sobre a massa e diz-se: “Santíssimo Sacramento te acrescente como a água da fonte e o milho da semente”. Tiram-se bocados da massa que se fritam em azeite a ferver”.
Azeite: Nome usado para qualquer tipo de óleo, no entanto, está associado ao óleo extraído da azeitona. Empregado a miúde nas cozinhas de Portugal, Espanha, Itália e Grécia, rico em vitaminas A, D, e K, é indispensável na mesa dos povos do Sul da Europa.
Arroz Doce
Há doces que sabem a casa e a conforto, e o arroz-doce é um deles. Cozinhado devagar, perfumado com leite e limão, terminado com canela desenhada com carinho, era presença certa em muitas mesas natalícias.
Receita obtida junto da Sra. D. Maria da Conceição, Benfeita, Arganil
Ingredientes:
- Açúcar
- Arroz
- Leite
- Canela
- 1 casca de limão
Preparação:
“Põe-se uma panela ao lume com água e quando estiver a ferver mete-se o arroz e deixa---se ficar a cozer. Ao estar prestes a ficar cozido, junta-se o leite na conta e à medida que o arroz vai secando, acrescenta-se o açúcar, a casca de limão e fica a apurar. Enfeita-se com a canela”.
Leite: A Terra Prometida é onde corre “o leite e o mel”. Alimento sagrado na Índia, quando proveniente da fêmea do búfalo e do zebu. Os Gregos gostavam do leite de ovelha e de cabra, os Romanos adoravam o leite de camela, burra e de mula. Alimento completo, com 65 calorias por cada 100gramas, um sem número de vitaminas, entra na composição de milhares de receitas, para além da sua omnipresença na pastelaria e confeitaria. Dá corpo a muitas bebidas. E em relação ao queijo e à manteiga, está tudo dito! Há diferentes espécies de leite.
Parrumes de colher
Nesta mesa de natal ainda pode juntar umas broas de mel, ou até mesmo uns parrumes de colher. Pequenos bocados dourados, leves, quentinhos e sempre recebidos com sorrisos.
Receita obtida junto da Sra. D. Otília Martins Gomes Dias, Janeiro de Cima, Fundão.
Ingredientes:
- Farinha
- Fermento
- Açúcar
- Canela
- 4 a 5 ovos
- Sal
Preparação:
“Amassam-se os ovos com água morna, farinha e uma pitada de sal. Depois de a massa estar bem amassada até ficar tenrinha vai a fritarem azeite. A massa tira-se do alguidar à colherada e assim se coloca na frigideira. Voltam-se e deixam-se fritar até ficarem lourinhos. Depois colocam-se numa travessa e polvilham-se com açúcar. Também podem ser polvilhados com canela.”
Parrume ou Perrua: Diz-se de pão ordinário feito de farelo.
Almoço do dia 25
O dia seguinte não significava despedida da festa. Aproveitar o que sobrava não era apenas necessidade: era sabedoria. Ao juntar batatas, hortaliças e bacalhau, renascia um novo prato — prova de respeito pelo alimento e pela vida.
Roupa-velha
Receita obtida junto da Sra. D. Lucília Ramos Neves Simão, Fajão, Pampilhosa da Serra
Ingredientes:
- Sobras de bacalhau
- Batatas
- Hortaliça
- Azeite
- Alho
Preparação:
“Migam-se as sobras do bacalhau, das batatas e da hortaliça do dia anterior. Numa frigideira põe-se azeite e dentes de alho. Depois do óleo estar quente, misturam-se as sobras e mexem-se bem”.
Frigideira: Utensílio de cozinha, pouco fundo e com cabo para fritar, podendo ser de ferro, cobre, alumínio, aço inoxidável, barro vidrado ou vidro refratário. Também conhecido por sertã.
No fim deste menu, percebemos que estas receitas também são retratos de vida. São pedaços de memória guardados nas mãos de quem amassou pão, de quem cozeu bacalhau, de quem fritou filhós para ver a família sorrir.
Como diz o senhor José Vaz, da Ferraria de São João: “Broa, batata, couve, feijão e abóbora era o comer diário… Mas no Natal… era o dia bom”.
Que este Natal também seja assim: simples, verdadeiro, cheio de histórias boas à volta da mesa. Sirva os sabores das Aldeias do Xisto.







































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