Logo pela manhã, nas ruas de Góis, surgem personagens bizarros vestidos com roupas velhas e envergando máscaras de pano pintadas. Um deles imita uma velha senhora, de xaile e bengala, mas a ligeireza com que aborda as pessoas que passam trai a sua idade. E a barba trai o género. Mas enfim, a primeira reacção dos transeuntes é um sorriso cúmplice, e alguns entram mesmo na brincadeira. Como se costuma dizer: é Carnaval, ninguém leva a mal.
A Celebração Tradicional do Entrudo nas Aldeias da Serra da Lousã, começa pois em Góis, onde se junta um pequeno grupo de pessoas aos foliões da Lousitânea. A Liga dos Amigos da Serra Lousã apostou na revitalização das tradições carnavalescas, tal como se celebrava antigamente nas Aldeias do Xisto.
Antigamente deixava-se muitas vezes as chaves na fechadura da rua e nós atravessávamos-lhe um pau trancando as pessoas no interior, que às vezes tinham de sair pela janela.
Já na Comareira, o 'Ti Alfredo conta que no tempo dele também se faziam brincadeiras de Carnaval: “antigamente deixava-se muitas vezes as chaves na fechadura da rua e nós atravessávamos-lhe um pau trancando as pessoas no interior, que às vezes tinham de sair pela janela”. Esta não foi uma das partidas engendradas pela Lousitânea, mas outras houve que, ao chegarmos a Aigra Nova, intrigavam os seus habitantes. Contavam, com um sorriso matreiro, que tinham aparecido pilhas de lenha à porta de casa barrando a passagem, e que em algumas caixas de correio descobriam-se peças de roupa que durante a noite secavam no estendal. Divertiam-se a recordar que já há alguns anos que não se viam tantas partidas de Carvanal ali nas Aigras. Já cúmplices da brincadeira e instigados pelos foliões mascarados, que “desconfiavam” terem sido os habitantes da vizinha Comareira os responsáveis, os das Aigras prometiam vingança para o ano que vem. “Talvez estacionemos uma carroça cheia de estrume à entrada da aldeia”, diziam provocando uma gargalhada geral.
Entra na roda e dança!
O almoço é uma deliciosa chanfana oferecida pela Comissão das Aigras. O ambiente é descontraído e adornado com picardias cúmplices entre os foliões. Junta-se-lhes um grupo de tocadores de concertinas e a dança começa. Primeiro no telheiro da Comissão, já com máscaras trocadas e saias vestidas por cima de calças. Aos pulos pelas ruas seguindo o encantamento da música, o grupo junta-se numa roda no largo da Aldeia. Todos dançam de mãos dadas. E assim continuam mesmo quando espontaneamente Manuel Claro resolve guiar a roda por entre as ruelas de Aigra Nova, seguida pelas concertinas que incentivam os pulos e roubam o fôlego de tanto rir.
No fim do dia, quando o corpo já pede descanso, a melhor forma de o fazer é com um relaxante passeio por Aigra Nova e Pena. O entardecer realça o perfil da paisagem, abrupta e primordial ao nível dos penedos, mas também profundamente rural e humana ao nível do solo. Hoje, naquele solo que pisamos, foi dia de Carnaval.